sábado, 11 de julho de 2009

Histórias de amor, para sempre!

Desde miúdos que ouvimos histórias de encantar, com magia e reinos de fantasia. Crescemos a sonhar e a imaginarmo-nos príncipes ou princesas de um mundo em que o amor triunfa sempre, e para sempre.

Depois, quando graúdos, confrontamo-nos com a lógica do real e constatamos que às vezes o amor não é bem assim como desenhamos no imaginário.

Experienciamos as desilusões, que nos impõem os tons cinzentos e esbatidos do desencanto, e ecoa na nossa mente o pensamento “não foi isto que eu sonhei para mim”.

Neste princípio da realidade, transformamo-nos cá dentro e aprendemos a lidar com um diferencial de emoções e sentimentos, num repertório mental alargado de esquemas e respostas.

Mas como é que o nosso olhar muda, e de que forma passamos a acreditar/ desacreditar no “Era uma vez”? No nosso “faz-de-conta” como se esboçam os nossos sonhos? Vale a pena?


Ter sorte dá muito trabalho

Há frases que nos ficam na memória. Num destes dias, estava a jantar em família quando ouvi esta frase: “Ter sorte dá muito trabalho”.

A sorte define-se geralmente por algo atribuído externamente, que não controlamos nem comandamos, quase como se fosse o destino. Temos mais ou menos sorte, devido a um factor alfa, que não conseguimos bem definir e passa mais pela crença ou fé.

Introduz-se aqui outro conceito: a sorte que se desenha e que se constrói. Ter sorte ao amor, por exemplo, não vem só do acaso ou das circunstâncias mais aleatórias que surgem, mas passa igualmente por factores que nos envolvem, mesmo que passivamente ou de forma inconsciente.

A opção poderá ser a tomada de consciência dos mecanismos implícitos à nossa sorte, de forma mais intuitiva ou racional.

Ter sorte aprende-se.


Espelho meu, espelho meu, diz-me quem sou eu

O amor define-nos, na intimidade de ser e de estar. O amor que vivemos ao longo da vida, de variadas formas, umas mais suaves outras mais intensas, é parte significativa do nosso auto-conceito, sempre com a necessidade de nos sentirmos especiais.

Como é que eu sou?

Por outro lado, aquilo que somos, define a nossa forma de amar e as relações de afectos que estabelecemos, quem procuramos ou quem queremos.

Este processo dinâmico de amar e ser amado relaciona-se com proximidade com a nossa capacidade e competências afectivas, ou seja, com a nossa Inteligência Relacional.

A forma como reconheço e compreendo os meus próprios sentimentos e os sentimentos dos outros e o modo como aplico esta informação na interacção com as outras pessoas, consoante os contextos e situações, define-se como a arte de ser feliz com alguém.
O amor com inteligência, permite-me sentir e pensar a relação, cuidando-a e inventando-a, numa dança ao sabor dos momentos.


O medo é bom

No consultório, várias vezes acompanhei crianças que simplesmente não queriam crescer. Não lhes fazia sentido estarem a deixar de ser pequenas e protegidas. Crescer era sinónimo de responsabilidade, de dificuldade e de frustração. Para quê crescer? Não lhes parecia haver qualquer vantagem mas apenas custos.

Na verdade, estes meninos e meninas tinham em parte razão. O sentimento era semelhante àquele quando se acorda numa manhã fria e não apetece nada ir trabalhar. A vontade é mesmo ficar na cama, num lugar seguro. Mas “tem que ser”…

Este medo de crescer ou o medo de amar, é bom e existe para nos proteger. As experiências negativas causam mal-estar e angústia interna e o medo é um mecanismo primário de defesa.

Quanto sentimos medo no amor, é porque este preenche alguma necessidade e tem uma utilidade. Está lá como uma armadura ou uma carapaça.



A ideia não será deitá-lo fora nem negá-lo, fingindo que somos independentes e que não precisamos de ninguém, ou sujeitando-nos a tudo para não ficarmos sozinhos.

Citar livremente Bento de Jesus Caraça, trocando a palavra “erro” por “amor”, traz-nos a sugestão: “Se não receio o amor, é porque estou sempre pronto a corrigi-lo”. Acrescentaria, a inová-lo, a transformá-lo, a descobrir novos rumos e novos horizontes.

Ás vezes temos medo de amar e ainda bem. Traz-nos a coragem para crescer e para amar.


Pensar o amor

A força da gravidade nas relações tende frequentemente a alterar a física e a tornar denso e emocionalmente pesado, o estar com o outro.
Os afectos são contaminados por preocupações ruminantes, que fazem girar dúvidas e pensamentos, sem sair do lugar.
Muitas vezes carregamos as relações com problemas, com antecipações de maus cenários, com exigências, com dúvidas, com desconfiança, asfixiando a nosso própria felicidade e a capacidade de amar.
Nesta arquitectura do amor existe um espaço para pensar. Pensar o amor.

Os projectos e sonhos envolvem dificuldades naturais, que podem ser percepcionadas e reflectidas como desafios a dois, que nos permitem fortalecer a união e sentirmo-nos mais próximos.

Pensar o amor é também termos consciência dos nossos pensamentos, mesmo daqueles mais automáticos, do tipo “não consigo ser feliz com ninguém”, “afasto as pessoas de mim quando o que eu quero é o contrário”, “pensei que desta vez é que era mesmo a sério”, ou “ninguém me compreende”.

Jurar infidelidade a estes pensamentos negativos, que nos prendem a mecanismos disfuncionais, promove a possibilidade de um amor consciente e mais livre, com espaço para a aceitação e para o aqui e agora.


Descomplicar os Afectos

No campo do amor e dos afectos, complicar é muito frequente e acabamos por tornar complexo o que é, no fundo, simples.

Aprofundar e (re)aprender novas formas de relação, envolve o conceito de descomplicar ou de desconstruir, para novamente construir, reparar ou melhorar.



Ambicionar o simples, no amor, implica descobrir e conhecer novas técnicas e truques, dando tempo para o treino e para a mudança, começando hoje.

A nossa vida moderna preenchida de estimulação e de informação, real ou virtual, deixa-nos muitas vezes, de forma paradoxal, um vazio na alma.

Num convite a descomplicar, a aritmética dos afectos com lugar para o eu, o tu e o nós, permite multiplicar o bem-estar.
O amor, com ingredientes de paixão e de amizade, está integrado nas nossas vidas, no quotidiano, num convite para moldar e transformar as emoções negativas, em interacções construtivas com os outros.


Afinal, o amor é para sempre e é possível aprender a amar. Descomplicadamente…


Hugo Santos

Psicólogo Clínico