segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Juramento de Infidelidade


Artigo publicado na Revista Vida Saudável (Edição: Novembro/2009)
Autoria: Hugo Santos, Psicoterapeuta - Oficina de Psicologia

Desta vez trocámos as voltas ao sentido comum das palavras, apelando ao Juramento de Infidelidade. O objectivo é simples: quebrar amarras, contra pensamentos e sentimentos circulares e negativos. Às vezes é bom ser-se infiel.

Na edição do mês de Outubro, propusemos um exercício interactivo fazendo o convite à sua participação. Aproveitando cinco minutos do seu tempo, a sugestão era primeiro relaxar e descontrair um pouco. De seguida, recordar as suas relações, do presente ou do passado. Nesta viagem pelo baú das memórias, a ideia era pegar num ou noutro fragmento temporal, isto é, recolher uma ou duas fotografias mentais do seu passado relacional.
Por fim, o exercício sugeria que olhasse atentamente para essas memórias, mas sem o papel de personagem da história.
Se olhar para as suas relações da “cadeira de espectador”, conseguirá uma perspectiva diferente. A técnica das “pipocas doces”, numa metáfora cinematográfica, permite-nos um ângulo de visão diferente sobre a nossa própria vida.
É como se fossemos ao cinema ver uma curta-metragem sobre as nossas relações e a forma como amamos.
Dessa cadeira almofadada e confortável, consegue ver muitas repetições? Sente que acabou por estar várias vezes na mesma situação, que ouviu as mesmas frases, que viu o outro fazer as mesmas coisas, mesmo em relações diferentes?
Não se preocupe se conseguir ver ou não. Não se esqueça que o filme é seu e poderá revê-lo as vezes que quiser.

Aceitar e descomplicar
No campo dos afectos existem boas e más repetições. As boas são aquelas que nos transmitem confiança, que nos fazem sentir seguros, dão-nos a agradável sensação de previsibilidade, de continuação e de rotina, e para as quais dizemos “Bis”.
As outras, são réplicas disfuncionais de ciclos que estagnam, que se traduzem numa rigidez, que nos fecham à experiência, à novidade, à acção, que nos sufocam e nos tornam menos, que nos fazem pensar “não foi isto que sonhei”, e que se impõem numa reprodução circular de cansaço e desilusão. Para estas vamos ser infiéis, dizer “Xô”, “vai dar uma volta ao bilhar grande”, “já chega”, “basta”.
A estratégia não é evitá-las, nem “partir a loiça”, mas apenas avançar num processo de aceitação e de consciencialização, descomplicando e desconstruindo automatismos da forma de amar e de viver as relações.

Vejamos na prática e através de exemplos.
O Rui e a Anabela (nomes fictícios) são namorados e vivem juntos há dois anos. Combinaram fazer um serão juntos e irem ao cinema, depois de um jantar romântico. No meio do quotidiano cheio de obrigações, sabe bem um momento a dois.
A Anabela chega a casa antes da hora combinada e começa a arranjar-se. Quer estar bem bonita. Contudo, o Rui telefona-lhe em cima da hora e diz-lhe que surgiu um imprevisto no trabalho. O chefe disse-lhe que tinha que terminar uma tarefa ainda naquele dia, para um cliente importante para a empresa.
Como é que acha que esta história continuaria? Neste pequeno filme revê-se nalguma das personagens?

Outro exemplo: o Carlos é colega de trabalho da Raquel (nomes fictícios) há já bastante tempo. Têm uma boa relação profissional e já tiveram vários projectos em conjunto. Aproxima-se o aniversário do Carlos e este convida a Raquel para ir ao almoço dos seus anos, que vai fazer com outros colegas. A Raquel não quer muito ir. Não lhe apetece. “Se calhar o Carlos só está a dizer isto por obrigação”, pensa. “Nem gosto de algumas das pessoas que vão. Estão sempre a olhar”, continua.
O que é que a Raquel fará? Vê alguma repetição nesta situação?
Os exemplos são muito simples e procuram não levantar muito desconforto ou reactividade. No entanto, retratam uma mínima amostra dos inúmeros momentos das nossas vidas e das nossas relações.

A forma como vivemos os episódios, a leitura que fazemos dos cenários e das deixas, as nossas frases e acções, aquilo que pensamos ou sentimos, muitas vezes repete-se circularmente de forma inconsciente. Sem darmos por isso replicamos medos ou desejos, num novelo de afectos demasiadas vezes emaranhado.
Os erros de percepção podem-se acumular e estagnar a forma de sentir. Quantas vezes catastrofizamos, antecipando o pior cenário, ou generalizamos, partindo logo do pressuposto que se vai repetir? E com que frequência ignoramos aspectos positivos, centrando-nos só no desagradável? De igual modo, a culpa é muitas vezes nossa companheira, na tendência para considerar como nossa a responsabilidade por algo ter acontecido. Ou, no reverso da medalha, apontamos o dedo a dizer “a culpa é tua”, “és sempre assim”, “já sabia”, “já esperava”, quando nos desiludem mesmo em pequenas coisas.

Perante isto, o convite é mesmo quebrar amarras e criar novas e livres formas de amar.
Para tal, deixo-vos um Juramento de Infidelidade, feito por participantes do Descomplicar os Afectos – Relações tornadas simples (um programa de treino de competências relacionais e afectivas, da Oficina de Psicologia).

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